Boa tarde, pessoal!
É muito estranho vir aqui apelar para isso. Mas, como disse nosso Hamlet, “o estranho deve ser bem visto. Há mais entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia”. Durante os últimos três meses discorridos, ou seja, praticamente desde quando nos isolamos pela quarentena e, aproveitando a inatividade da minha função, estudante, eu me determinei a escrever textos em formas de crônica a fim de observar o efeito de um texto feito durante a quarentena para comparar com textos antigos - mas não só
O motivo do tópico: tenho tentado entrar e contato com vários jornais tentando a publicação do texto, mas eu não sei se a linguagem, a escrita presentes nele estão causando uma má impressão no leitor. Com isso, eu poderia contar com alguma análise presente aqui na comunidade acerca da crônica para que eu melhor venha a me expressar e, então, talvez, receber algum retorno dos canais de publicação referidos? Seria imprescindível e de suma importância as observações - simples ou complexas - de vocês. Eu espero que vocês possam retirar dela, da crônica, sensações e reflexões únicas. Desde já, agradeço! Deixarei-a em forma de texto logo abaixo e, também, na nuvem. Forte abraços em todos!
A crônica:
"Dualismo Crônico
Tudo o que escrevo nunca sai como o planejado. As palavras que eu gostaria que não estivessem aqui, estão. Instantes atrás, excogitei pensar para o papel um pensamento airoso que colhesse o leitor do físico e o expusesse no metafísico. Forcejei estender uma pitada de ideia fantasmagórica que pudesse ficar sublinhada na história como Descartes ficou com “Penso, logo existo” e Sócrates com “Só sei que nada sei”: o que me escapou foi uma elocução volvida a mim mesma: o anseio pela criatividade e a indignação fazem do animal um escritor.
Tem dias em que sonho acordada em cronicizar uma crônica, como aquelas da Martha Medeiros – quero ser todas, menos eu; e há dias em que amovo-me do existir, difiro-me da pessoa que sou e me olvido de onde vim, para que vim e o que neste acervo inextricável estou fazendo. Basta um livro para que meu corpo fique e minha alma se vá à sei-lá-onde, como Guimarães Rosa, no devagar-depressa dos tempos. Basta que os olhos tomem o compasso absoluto e que eles afrontem o além-do-que-está-ali para que a alma acate o âmago dela mesma.
O precipício tartárico dos textos fulgura-se aos que não se deleitam com a leitura rápida. Tampouco, a existência humana, dentre todas as existências, aparentemente é a forma mais cruel de existir que se tem noção. Sabe-se, pois, que se existe, quando se é pego pensando sobre o próprio pensar. Do contrário, estamos atarefados com a frenética sobrevivência consumista.
Porque uma parte de mim quer cair no duro chão que pisou Heidegger; em contra a adição, a outra parte quer comprar uma fazenda, matar um homem, fortificar o capital com grãos, evitar relações, conhecer uma mulher e fazê-la partir-se em si mesma pelo tóxico relacionamento que tivemos. Ora ou outra, penso em ser como um Paulo Honório: homem solitário, no ermo, introspectivamente arrependido por frustrar o amor à vida e à morte, perturbado pelo piar (des)agradável, agudo e reverberante das corujas que divagam soltas por aí circulando o topo do engenho na tarde da noite, enquanto o clarão prata do luar projeta na mesa de madeira polida listras desordenadamente simétricas e formas pontilhadas que atravessam ao outro-lado da cortina de renda transparente, semelhante a um vestido que é levemente arrastado a todo-canto pela brisa do denso mato que exagita na inércia do espaço, neste recinto de emoções, neste sítio de relações entre a natureza, mulheres e mulheres; o perfume úmido dos orvalhos, das acácias, dos limões e das laranjas que partem do capão viscoso e brenhoso de cobra, lagarto, muriçoca, vagalume, cachorro-do-mato, porco-espinho e saudade. O andarilho aroma doce, orgânico, podre e vivo que raia das árvores pesadas à vinhático, embrutecidas de folhas e fios e cipós e o que mais quiser participar desta dança dos deuses, evocam o tempo em que Madalena brilhava tal qual cintila o borboleteio feromônico das hortelãs. No enfim, o delírio meu lançou-a ao limbo pelas mãos próprias.
Ainda hoje, a observo através da janela da cozinha, sentada à foz do rio ao lado dos engenhos, espiando o pôr-do-sol que aqui, e somente aqui, em S. Bernardo, em todos esses cinquenta e tantos anos, entrevi com a visão latejante e pulsante de se admirar coisa jamais-vista. Agora estou velha, e o que a fulminou me mata durante as madrugadas esguias em que não adormeço e presto companhia à solidão, uma adepta íntima já de tantos e tantos bules - de café – nascidos neste chão terroso. Vigio minha morte em silêncio enquanto discorro por estas palavras de poucos propósitos. E, de tudo que um dia tive posse, a falta que anseia pela goela seca e estridente de minha garganta grita por alguém que já não lembro quem é. De tudo o mais, o resto…
O resto é silêncio."