Segundo Maria Lucia Fattorelli, auditora fiscal aposentada e coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, existe um mecanismo no sistema financeiro brasileiro que pode desestimular a concessão de empréstimos pelos bancos, visto que as chamadas “sobras de caixa” são bancadas pelo Banco Central. Isso levanta ao menos dois pontos:
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Não existe almoço grátis. As “contas rendeiras” não existem porque os bancos são bonzinhos. O banco está faturando com o dinheiro parado nas contas dos clientes sem nem precisar fazer esforço (como comercializar empréstimos), retribuindo com migalhas (magníficos 100-200% desse CDI irrisório).
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Empréstimo em fase de testes? Imagina uma padaria que vende pão só pela manhã porque o produto está em fase de testes, aí quem só come pão na janta não tem o direito a comê-lo quentinho de fábrica…
Um dos mecanismos mais absurdos que “geram” dívida pública no Brasil é a remuneração diária da sobra de caixa dos bancos.
O dinheiro que sobra no caixa dos bancos corresponde à soma de todos os depósitos e aplicações de clientes, que poderiam ser utilizados para empréstimos ao público em geral. Essa sobra já considera a dedução obrigatória da parcela referente ao depósito compulsório, que os bancos são obrigados a reservar.
Nos demais países, os bancos se esforçam para fazer empréstimos ao público em geral, oferecendo juros cada vez mais baixos, para não ficar com esse dinheiro parado em caixa, sem render nada.
No Brasil é diferente. Os bancos não se esforçam para emprestar à população e empresas que precisam de crédito, e fazem o contrário: cobram juros altíssimos, além de várias exigências burocráticas e comerciais, como venda de seguros e outros produtos. Os bancos agem dessa forma porque não perdem nada com o dinheiro parado em caixa, pois recebem remuneração diária, paga pelo Banco Central com recursos do orçamento público.
Não há amparo legal para essa remuneração.
Ela tem sido feita por meio do abuso na utilização das chamadas “Operações Compromissadas”. Em tese, as operações compromissadas se destinam a controlar o volume de moeda em circulação para evitar ataques especulativos e até inflação, porém, a sua utilização de forma distorcida tem possibilitado, na prática, um mecanismo ilegal de remuneração da sobra de caixa dos bancos.No mundo todo, o volume dessas operações compromissadas é baixíssimo! No Brasil, chega a cerca de R$ 1,4 trilhão, ou seja, cerca de 20% do PIB, e provoca, ao mesmo tempo, vários danos ao país:
DANO FINANCEIRO – Essa remuneração da sobra de caixa custou cerca de R$ 1 trilhão aos cofres públicos em 10 anos, quando atualizamos monetariamente os juros pagos diariamente aos bancos, conforme dados do balanço do Banco Central. Imaginem o que poderia ter sido feito com esse trilhão em saúde, educação, ciência e tecnologia etc.;
DANO ECONÔMICO E SOCIAL – À medida em que esse volume de cerca de R$ 1,4 trilhão fica esterilizado no Banco Central, provoca-se uma escassez de recursos disponíveis para empréstimos e, consequentemente, os juros de mercado sobem a patamares altíssimos. Isso prejudica toda a economia do país. Por exemplo, lembram do pacote de R$ 1,2 trilhão que o Banco Central liberou aos bancos (no início da pandemia, em 23/03/2020) para que facilitassem empréstimos às pequenas e médias empresas? Além de não emprestarem, os bancos ainda lucraram mais ainda, pois houve um aumento das operações compromissadas. Por outro lado, as empresas que não conseguiram acessar os empréstimos, devido aos elevadíssimos juros, acabaram falindo, provocando mais desemprego e agravando ainda mais o problema social do país.
DANO PATRIMONIAL – Essa operação aumenta o estoque da dívida pública e o volume das obrigações atuais e futuras, pois o Banco Central usa títulos da dívida pública para “justificar” a remuneração diária aos bancos. O Banco Central entrega títulos da dívida pública aos bancos e, enquanto estes estão de posse desses títulos, recebem juros diários.
Será verdade? Se for, e cá a gente feliz contando os centavos que dia a dia vão se acumulando nas nossas contas. E ainda somos gratos pela gentileza.
Juros do rotativo: 8.750% do CDI.
Parcelamento da fatura: 6.200% do CDI.
Empréstimo pessoal: 3.750% do CDI.
Rendimento da conta rendeira: 100% do CDI.