Há viagens que nos levam a lugares, e há aquelas que nos levam de volta pra dentro de nós.
Essa foi uma dessas – uma travessia entre passado e presente, entre fados e flamencos, entre o conhecido e o inexplorado. Foram duas semanas (14 a 29 de setembro) ao lado do meu marido, explorando Lisboa, Andaluzia, Madri e Barcelona, com um olhar faminto por cultura, história e sabores.
Mas acima de tudo, foi uma aventura que me fez lembrar o quanto é bom viver.
Lisboa e o Som do Fado
Lisboa nos recebeu com luz dourada. Há algo de mágico na forma como o sol se espalha pelos telhados e azulejos, refletindo uma beleza antiga e acolhedora.
Passeamos pela Praça do Comércio, subimos pelo Elevador de Santa Justa, atravessamos a Rua Augusta e, claro, contemplamos o Castelo de São Jorge, que parece observar a cidade como um guardião do tempo.
Mas foi à noite que Lisboa realmente se revelou. No restaurante Fama d’Alfama, sob luz suave e taças de vinho, o fado começou.
A voz que ecoava parecia rasgar o tempo – uma dor antiga, bela, que se infiltrava em cada verso.
Enquanto ouvíamos, trocamos um olhar cúmplice, daqueles que dizem “estamos vivendo algo que vai ficar pra sempre”.
Foi um dos momentos mais emocionantes da viagem. Ver o fado ao vivo é entender um pouco da alma portuguesa.
Belém e os Sabores da História
Belém foi um convite à contemplação: o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém, o Padrão dos Descobrimentos.
Tudo respira grandeza e memória – como se cada pedra ainda guardasse ecos das caravelas que um dia zarparam dali rumo ao desconhecido.
E aí veio ele: o Pastel de Belém.
Quente, cremoso, delicado.
Nada – absolutamente nada – se compara ao original.
Depois dessa experiência, experimentar um pastel genérico no Brasil virou quase uma heresia.
Dica: chegue cedo para evitar filas e vá direto à confeitaria tradicional Pastéis de Belém. Não se assuste com a fila enorme, se houver: é para comprar os docinhos no balcão. Aparentemente poucas pessoas sabem que dá pra pedir seus Pastéis de Belém lá dentro, com serviço de mesa, e a fila é bem menor. E, claro, a dica de ouro: não se contente com um só.
Sintra, Onde a Magia Mora
Se existe um lugar que parece saído de um conto de fadas, é Sintra.
O Palácio da Pena domina o alto da serra com suas cores vibrantes, mas foi o Palácio Nacional de Sintra que me conquistou.
Seu teto dourado, suas salas cheias de histórias e simbolismos… parecia que cada passo ecoava séculos.
Sevilha: O Espetáculo da Imensidão
Do frescor de Lisboa ao calor árido da Andaluzia. A chegada em Sevilha foi quase um choque. Vista do alto, a cidade parecia seca, sem graça – mas bastou andar por suas ruas para perceber que ela tem uma força silenciosa, que cresce a cada esquina.
E então, ela surgiu: a Catedral de Sevilha.
Imensa, quase sobrenatural. A grandiosidade de suas colunas, a luz filtrada pelos vitrais – tudo nela parece feito para lembrar o ser humano de sua pequenez.
O Real Alcázar, com seus arcos mouros e jardins espelhados, também impressionou – especialmente sabendo que serviu de cenário para Dorne, em Game of Thrones.
Ali, o real e o ficcional se misturaram.
Córdoba e Granada: Entre Labirintos e Céus
A jornada entre Sevilha e Córdoba foi uma pequena aventura. Com as malas a tiracolo e o coração apertado, deixamos tudo num locker antes de explorar a cidade – eu considerava esse o dia mais crítico de toda a viagem, pois era uma “cidade de transição”, já que não nos hospedaríamos lá, mas no fim deu tudo certo.
A Mesquita-Catedral de Córdoba é única: um mosaico entre fé e arquitetura, uma fusão de mundos.
Ah, e houve um momento curioso: o “incidente do restaurante no almoço”. Uma líder coreana impaciente furou a fila com seu grupo, alegando ter reserva. Meu marido respondeu num português tão enfático que, pelo tom, acho que ela entendeu perfeitamente. Hoje rimos, mas na hora… 
À noite, seguimos rumo a Granada. E lá, o coração foi arrebatado de novo.
A Catedral de Granada, menor, mas profundamente espiritual, me tocou de um jeito inesperado – fiquei longos minutos apenas observando, em silêncio.
E depois veio Alhambra.
Impossível descrever. De dentro, é um sonho de arabescos e jardins; de fora, uma fortaleza digna de cinema.
O jantar no Las Tomasas, com o pôr do sol tingindo o céu atrás do Alhambra, foi um dos momentos mais belos da viagem.
Madri, o Coração Pulsante da Espanha
Sevilha foi grandiosa, mas Madri foi vida.
As ruas vibram o tempo todo, e a cidade tem uma energia que te arrasta. Ficamos fascinados com a arquitetura, com a forma como os prédios abraçam as praças – e decidimos andar tudo a pé, dispensando o metrô.
O Museu do Prado foi um dos pontos altos.
Ficar diante de obras como O Jardim das Delícias e As Meninas é algo que não se esquece.
Sem fotos, sem distrações – só o instante, o olhar e o silêncio reverente.
E o jantar de aniversário do meu marido, no Inclán Brutal Bar, foi um espetáculo à parte. Pratos criativos, visuais quase teatrais, atendimento caloroso e até parabéns em espanhol. Um toque de fantasia no meio da capital espanhola.
Toledo, a Cidade que faz o Tempo Parar
Toledo foi uma daquelas surpresas que a vida prepara em silêncio. Da estrada, já dava pra ver a cidade surgindo no alto, cercada pelo rio Tejo como se flutuasse no tempo. E, quando cheguei ao mirante, fiquei apenas olhando. Em silêncio. Foi um instante em que tudo parou – o vento, os sons, o pensamento. Só a beleza à minha frente parecia existir.
Caminhar por suas ruas estreitas, sentir o peso da história e a harmonia das três culturas que moldaram cada pedra… é impossível não se emocionar. Ali, percebi o quanto viajar é mais do que ver lugares – é se ver neles. Saí de Toledo com uma serenidade estranha e boa, como se tivesse conversado com algo maior que o tempo.
Barcelona: Entre o Mar e Gaudí
As expectativas eram altas, talvez altas demais.
Barcelona é vibrante, mas não nos arrebatou como Madri. Ainda assim, há algo de único em caminhar pela Sagrada Família, ainda em construção após quase dois séculos.
Por dentro, é uma catedral diferente – quase bruta, mas cheia de luz, de vida.
O Passeig de Gràcia e a Casa Batlló são pura arte modernista, e o Parque Güell, um delírio de curvas e cores. Mas talvez a alma de Gaudí esteja mesmo na Sagrada Família – uma obra inacabada que, como a vida, segue crescendo.
Terminamos o último dia de viagem na praia de Barceloneta. Bela, mas discreta. O verdadeiro tesouro estava nas memórias já vividas.
O Que Fica Depois da Viagem
No voo de volta, entre o cansaço e a nostalgia, pensei em tudo o que vivemos.
Planejei cada detalhe dessa viagem – hotéis, trens, voos, roteiros. E, no fim, percebi que planejar é só metade da aventura. A outra metade é se permitir viver.
Voltei mais confiante, mais desperto.
Entendi que a vida pode (e deve) ser vivida com o mesmo encantamento de uma viagem: observando o nascer e o pôr do sol, saboreando cada pequeno momento, mantendo o olhar curioso e o coração aberto.
“No fundo, toda viagem é uma forma de lembrar quem somos – e de descobrir que ainda podemos ser muito mais.”
Obrigado por esse relato tão rico em detalhes e dicas tão boas. Sua citação sobre como a viagem nos lembra quem somos e nos inspira a ser mais é linda e muito verdadeira. Amei!
E mande um abraço pro seu marido, adorei conhecer vocês.